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Com o advento da Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132/23), que alterou o sistema tributário brasileiro, muito se discutiu sobre a reforma e simplificação dos tributos indiretos, como o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS) — cobrados, a partir de 2027, num formato unificado definido como o Imposto Sobre Bens e Serviços, ou IBS.

Contudo, a proposta de reforma tributária foi muito além disso, passando a prever, também, alterações sensíveis para outros tributos, como é o caso do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Como se sabe, o ITCMD é o tributo incidente sobre herança e doação, de competência dos estados, instituído nos termos do artigo 155 da Constituição de 1988 — em sua redação original:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (…)

  • 1º. O imposto previsto no inciso I: (…)

 

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

  1. a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
  2. b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;”

 

Quem ganha mais, paga mais

O artigo 1º da mencionada EC 132/23 alterou o artigo 155, §1º, VI, passando a prever que o ITCMD, que tem suas alíquotas fixadas pelo Senado Federal, passe a incidir com base no critério da progressividade.

A progressividade consiste numa técnica de cálculo do imposto, que diferencia o percentual das alíquotas de acordo com a variação da base de cálculo tributável, podendo ser extrafiscal, como é o caso do IPTU cobrado em razão da produtividade da propriedade urbana e com o propósito de garantir sua função social; ou fiscal, que tem por função precípua a arrecadação de receita aos cofres públicos, respeitando o Princípio da Capacidade Contributiva dos sujeitos passivos.

Nas palavras do ministro Ricardo Lewandowski (relator do RE nº 562.045, Tema 21 do STF, definido em sede de repercussão geral), “a função social da progressividade consiste em dar concreção ao princípio da capacidade contributiva, de modo a promover a justiça social em matéria tributária, servindo como importante instrumento de desconcentração da riqueza”. Ou seja, aquele que ganha mais, paga mais.

A progressividade de alíquotas não é, propriamente, uma novidade em nosso ordenamento jurídico. A título de exemplo, podemos citar a tão conhecida Tabela Progressiva de IRPF, que determina a aplicação da alíquota sobre os rendimentos das pessoas físicas entre 7,5% e 27,5%, crescentes conforme a variação da base de cálculo. Também há previsão expressa na CF/88 para que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) sejam progressivos em razão do valor do imóvel (artigo 156, §1º, I).

 

Indefinição

A questão que se coloca, no atual cenário da reforma tributária é que, até sua publicação, não havia a previsão e nem a vedação para que o ITCMD fosse aplicado progressivamente. Alguns estados, como é o caso do Distrito Federal (artigo 9º, Lei nº 3.804/2006) e Rio de Janeiro (artigo 26, Lei nº 7.174/2015), por exemplo, há anos já preveem essa modalidade de cálculo do imposto em suas leis locais.

E a fundamentação para tanto encontrava respaldo na Resolução do Senado Federal nº 9/1992 que, atendendo à determinação constitucional para definir a alíquota do citado imposto, previu um teto de 8%. A questão chegou a ser judicializada, mas no ano de 2013 o Supremo Tribunal Federal fixou que a progressividade de alíquotas é considerada constitucional – validando, assim, as normas estaduais que dispunham nesse sentido (Tema 21 – Recurso Extraordinário nº 562.045, já citado).

A questão que se coloca, neste momento, é que pela nova redação introduzida pela EC 132/23, o ITCMD será (e não “poderá”) ser progressivo, de modo que os estados deverão adaptar sua legislação.

Nesse ponto, vale dizer que a EC 132/23 não definiu propriamente qual abordagem para aplicação da técnica de progressividade: se com base na faixa de valor (em que somente o valor que excede cada faixa de valor é tributado pela alíquota mais alta); ou mediante aplicação de uma alíquota única sobre a totalidade da base de cálculo (ou seja, uma vez que a base de cálculo ultrapassar determinada faixa, estará sujeita à alíquota máxima sobre todo o valor e não apenas sobre a quantia que excede o limite daquela faixa).

 

Progressividade gradual

A despeito disso, em levantamento realizado no mês de maio de 2024, verificamos que tanto os estados que já previam a progressividade em sua legislação local, como aqueles que têm implementado projetos de lei para se adequar à nova regra constitucional aplicam a progressividade gradual, ou seja, por faixa de renda.

Dos 27 estados pesquisados, verificamos que 15 deles (ou 56%) já adotam essa metodologia de cálculo para o ITCMD. Os mais recentes a aderirem à progressividade são: o Acre (artigo 29, Lei Complementar nº 373/2020); Pernambuco (artigo 8º — Anexo Único, Lei nº 12.974/2009) e Santa Catarina (artigo 9º, Lei nº 12.136/2004). Destaque para os estados da Bahia e do Piauí, que têm alíquotas progressivas para operações de transmissões causa mortis, mas aplicam alíquotas fixas nas doações.

Quanto aos estados que ainda não incorporaram a progressividade à sua legislação, até o presente momento, somente em São Paulo tramita, na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei nº 7/2024, que propõe a alteração da Lei nº 10.705/2000, visando à instituição de alíquotas progressivas de ITCMD.

Para os estados de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima não foram identificados projetos em andamento e, num futuro próximo, haverá necessidade de adequação da lei às novas regras trazidas pela Reforma Tributária.

 

Planejamentos e anterioridade

Essa análise é relevante especialmente sob o ponto de vista de planejamentos tributários e sucessórios. Isso porque, qualquer alteração que torne o ITCMD mais oneroso aos contribuintes deverá respeitar o princípio da anterioridade, de modo que seus efeitos passarão a valer somente a partir do ano seguinte ao que a nova regra foi instituída, bem como no prazo mínimo de 90 dias de sua publicação.

Assim, as operações que envolvam a antecipação da sucessão mediante, por exemplo, doações (com ou sem reserva de usufruto) realizadas sob a égide da legislação atualmente vigente poderão garantir, desde já, a aplicação de alíquotas fixas e menores até o momento da abertura do inventário – mas, claro, desde que tais operações sejam integralmente implementadas antes da publicação de qualquer lei que altere o ITCMD.

 

Janela de oportunidade

Enfim, considerando o atual cenário e as iminentes mudanças trazidas em razão da EC 132/2023, é prudente que os contribuintes explorem essas oportunidades e alternativas de planejamento sucessório nos estados em que a progressividade ainda não foi implementada.

Ou seja, há uma janela de oportunidade para antecipar a sucessão, realizando doações em condições favoráveis — não apenas para aproveitar alíquotas potencialmente mais baixas do imposto, mas também para assegurar certa previsibilidade em relação à essas operações no futuro. Tais medidas, se tomadas com a devida orientação, poderão resultar numa significativa economia tributária.

 

Fonte: Conjur